O termo teologia da libertação
indica tanto uma doutrina católica quanto um movimento político, social e
religioso[1]. A
fundamentação da doutrina foi publicada em 1971 por meio dos livros de Gustavo
Gutiérrez[2] e
Leonardo Boff[3] – e foi
o próprio título do livro de Gutiérrez que cunhou o nome teologia da libertação, que também passou a designar eventualmente
movimentos ocorridos anteriormente, na década de 1960. Portanto, os livros de
Boff (Jesus Cristo libertador) e de
Gutiérrez legitimavam estes movimentos e inspiravam-se nestes movimentos. No
entanto, neste livro, aborda-se principalmente a fundamentação da doutrina. O
problema que se coloca é: como os teólogos católicos Gutiérrez e Boff
apropriaram-se de elementos do marxismo e construíram uma nova doutrina
católica em 1971?
Diversos autores citados no livro Teologia
da libertação apontam para o processo de apropriação de elementos do
marxismo feito por Gutiérrez. Estes autores citados são: os teóricos marxistas
Ernst Bloch e Mariátegui; os militantes marxistas Che Guevara e Fidel Castro;
os teólogos Jürgen Moltmann, Wolfhart Pannenberg e Johann Baptist Metz; e o
educador Paulo Freire.
A partir de Bloch, Moltmann,
Pannenberg e Metz, Gutiérrez defendeu a esperança ativa com vistas ao reino
terreno da liberdade e o avanço da religiosidade para além da vida privada. A
partir de Mariátegui, Guevara, Castro e Freire, Gutiérrez defendeu um
pensamento e uma revolução comunista não ortodoxas, condizentes à história
latino-americana. No primeiro grupo de autores – de Bloch a Metz – há as
reflexões sobre marxismo, religião, história e política. No segundo grupo, há o
apontamento de uma teoria da revolução latino-americana.
Boff também cita Moltmann e Metz com vistas à desprivatização da crença
dos fiéis. No texto original do Jesus
Cristo libertador, o teólogo brasileiro cita Ernst Bloch nas linhas finais
do livro. Além disso, encontra-se nos textos de Boff – e também de Gutiérrez –
trechos cuja natureza podemos classificar de blochianas.
Aqui vamos nos ater ao primeiro grupo de pensadores – de Bloch a Metz –,
pois acreditamos que as chaves para a conjugação entre elementos do marxismo e
do cristianismo desenvolvida por Boff e Gutiérrez estão nas reflexões sobre
estes autores.
Nosso objetivo é aprofundar a compreensão e a discussão sobre a força
social da utopia cristã popular na América Latina, que estava à vista e
efetivada nas décadas de 1970 e 1980 e que atualmente está submersa e latente. Conforme indicação do filósofo Enrique Dussel, a força social da esperança católica popular latino-americana pode ser remontada desde frei
Bartolomeu de las Casas, portanto, desde o século XVI[4].
Gutiérrez e Boff abriram um novo capítulo na história deste movimento social e
a partir do seguinte desafio: como teorizar a construção de um mundo mais justo
na segunda metade do século XX?
Ao buscarmos a resposta do problema aqui abordado
também resgataremos algumas das utopias que – semelhante a outras –
foram e ainda estão sufocadas pela hegemonia neoliberal. Resgataremos algumas utopias não para segui-las acriticamente, mas para propor uma discussão
mais rica frente ao monólogo da desesperança, do capitalismo e do
individualismo.
[1]
LÖWY, Michael. Marxismo e teologia da
libertação. São Paulo: Cortez, 1991.
[2]
GUTIÉRREZ, Gustavo. Teologia da
libertação. Petrópolis: Vozes, 1986.
[3]
BOFF, Leonardo. Jesus Cristo libertador.
Petrópolis: Vozes, 2008.
[4]
DUSSEL, Enrique. Teologia da libertação.
Um panorama de seu desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1997.