terça-feira, 30 de julho de 2013

Angélico Sândalo Bernardino e o clero católico progressista de Ribeirão Preto.

Angélico Sândalo Bernardino no programa Roda Viva da TV Cultura.
A conduta esquerdista não radical, moderada, de Angélico Bernardino - atualmente bispo emérito de Blumenau -, conciliou-se bem com o governo de João Goulart e concilia-se bem o governo petista. Meu trabalho de conclusão de curso, finalizado em 2004, debruçou-se sobre o clero católico progressista da região de Ribeirão Preto, SP. Acerca de Bernardino e de seu grupo eu havia escrito o que segue:

Em 1952, Dom Luis se tornou bispo de Ribeirão Preto, SP. Dessa vez, Dom Luis Mousinho entrou em contato com uma região mais rica materialmente, mas também com péssimas condições de trabalho e pobreza no campo. Ele pregava a atualização do clero e a reflexão sobre os problemas socioeconômicos. Sob sua administração, e orientado por ele, surgiu um grupo de sacerdotes progressistas em Ribeirão Preto, no qual se destacaram: padre Celso Ibson de Sylos, padre Angélico Sândalo Bernardino[1], Dom David Picão, frei Antonio Rolim, além de seminaristas como Francisco de Assis Correia. Esse grupo se baseava na Doutrina Social da Igreja, reestruturada pelo Papa João XXIII, e nas novas correntes progressistas católicas da Europa, principalmente nas idéias de padre Lebret.

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Padre Celso Ibson de Sylos foi convidado por Dom Mousinho a fazer um curso em Roma sobre problemas sociais. Permaneceu na Europa de agosto de 1960 a dezembro de 1961. No seu lugar, como diretor do jornal Diário de Notícias, ficou o padre Angélico Bernardino, que comentou por meio do jornal os principais acontecimentos da época, como por exemplo: vitória e renúncia de Jânio Quadros; e os impasses relativos à posse de João Goulart. Como padre progressista - democrata, antiliberal e contrario ao autoritarismo -, Bernardino defendeu a legalidade contra um possível golpe militar que impediria a posse de João Goulart; demonstrou um certo receio consoante com as vozes conservadoras com a figura do novo presidente; e um medo em relação a uma possível guerra civil:

...opinam que Goulart, com razão ou não, devia renunciar no cargo de vice-presidente. Deste modo, seria apaziguada a família brasileira. Não teríamos revolução, nem mortes de jovens mais futurosos. O Brasil poderá caminhar sem ódios e sem mortes. Um gesto patriótico de Goulart diante da tragédia que poderá ter conseqüências imprevisíveis, reconduziria o Brasil à paz.[1]

...Defendemos, com todas as forças da legalidade do amor a Constituição mesmo que isto nos traga como conseqüência, o Presidente João Goulart. Não importa o fruto. A nós a honra de nos batermos pela justiça...[2]

 ...Acreditamos até que, coadjuvado por um bom Conselho de Ministros, êsse homem medíocre sobre o qual se fazem os comentários mais comprometedores, possa realizar um Governo. É o que pedimos a Deus.[3]

Padre Celso retornou no início de 1962 e voltou a ser o diretor do Diário de Notícias. Teve uma postura mais progressista que Angélico Bernardino. Nesse ano, criticou todos aqueles que se opunham à “marcha da socialização do capital”. Contra uma manifestação da Associação Comercial do Rio de Janeiro pedindo às “classes produtoras” pequenos sacrifícios para ajudar a controlar a inflação, padre Celso respondeu:
Nós entendemos que a hora não é para pequenos sacrifícios, não. O momento é para se partir para em definitivo ao encontro das soluções apontadas claramente pela Doutrina Social Cristã. Não se pode mais omitir na marcha da socialização tranqüila, progressiva e firme dos capitais. Urge a democratização do capital. Urge a implantação da primazia do trabalho sobre o capital.
Não nos parece que essa solução cristã custa apenas “pequenos sacrifícios” às classes denominadas produtoras.[4]

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A manchete do 31 de março era: “Minas se Levantou para um Golpe” e o editorial escrito por padre Celso atacava esse levante. Nesse dia, padre Celso, após a ousadia de elaborar um editorial tão subversivo para aqueles dias, escondeu-se na casa de Antonio Duarte Nogueira. No dia seguinte, fugiu para o Rio de Janeiro, escondendo-se sob a sombra de D. Helder Câmara.

O Golpe Militar de 1964, logo em seguida, afastou o tom esquerdista radical do jornal. Nos dias seguintes, o Diário de Notícias esteve em consonância com a política dos militares, a primeira página do jornal do dia 9 de maio trazia uma exaltação ao golpe e à  “Marcha da Família com Deus, pela Liberdade” ocorrida em Ribeirão Preto:

A tarde de quarta feira colheu a população leal  a uma grande demonstração de civismo dando expansão ao vitorioso movimento das forças armadas garantidor da democracia brasileira. A Marcha da Família com Deus, pela Liberdade reuniu multidão calculada entre quarenta a cinqüenta mil pessoas, representadas por homens, mulheres e crianças de todas os escalões sociais e profissionais. O desfile, iniciado em diversos pontos da cidade atingiu o seu ponto culminante com a concentração da grande massa humana na Esplanada da Praça XV de Novembro, onde um comício com diversos oradores traduziu a manifestação de Ribeirão Preto na sua fidelidade ao mesmo e na sua confiança no governo agora empenhado em levar a tranqüilidade a todos os pontos do Brasil. Dessa, memorável jornada patriótica é este expressivo flagrante, testemunha da presença de Ribeirão preto à Marcha da Família com Deus, pela Liberdade.[1]

No dia 12 de maio, o Diário de Notícias transmitia o julgamento de Papa Paulo VI em relação ao Golpe ocorrido no Brasil. Apesar de pedir soluções para as desigualdades sociais do Brasil, houve por parte do Papa Paulo VI, um apoio aos militares:

Os dirigentes do Brasil devem satisfazer às legitimas exigências das classes trabalhadoras e empreender necessárias reformas, se desejam que a Nação evite o perigo e a triste experiência do Comunismo. Estou satisfeito por não ter o Brasil derramado sangue na revolução. Agora, chegou a hora da ação. Os problemas do Brasil são gigantescos, e para eles deve-se procurar solução com toda a urgência.[2] 

Padre Celso ficou um mês em Petrópolis até que recebeu uma intimação por meio de uma carta de D. Agnelo para que voltasse a Ribeirão Preto. Quando voltou, D. Agnelo comunicou-o de que as autoridades decidiram que ele ficaria preso no palácio episcopal ou no mosteiro. Padre Celso recusou-se e ficou preso um mês no quartel. Frente às indagações da sociedade, alguns jornais de Ribeirão Preto publicaram uma declaração sobre a prisão do padre feita pelo “triunvirato” – aqueles que administraram a cidade após o golpe: o chefe regional de polícia, o comandante da Policia Militar e o Coronel do Exercito da Cidade. Os argumentos eram: organização da greve da indústria Matarazzo e invasão de fazendas.[3]

Celso Ibson de Sylos disse ter recebido a visita de D. Agnelo na prisão. Segundo Celso, D. Agnelo estava apavorado e angustiado, pois a prisão de padre Celso havia dividido as “ovelhas”. Padre Celso, então, prometeu a ele, sair de Ribeirão Preto quando solto.[4] De fato, em 1981, na Catedral de Ribeirão Preto, D. Agnelo, em uma homilia, disse que o período em que foi arcebispo dessa cidade foi o período mais sofrível de sua vida.

 Se em alguma parte devo excusar-me é precisamente em Ribeirão Preto onde, permiti-me (sic) o desabafo, também mais sofri em minha vida, apesar da sinceridade e disposição de executar meu lema episcopal: “Opportet Illum regnare”= “É necessário que Cristo reine”.[5]

Solto, padre Celso foi para o Rio de Janeiro, regressando para Ribeirão Preto quando D. Agnelo se tornou arcebispo de São Paulo em 1965. No entanto, o então arcebispo de Ribeirão Preto, D. Frei Felício César da Cunha Vasconcelos, pediu para que padre Celso não fizesse militância política. Celso, então, tentou buscar um espaço para fazer sua política nas arquidioceses do Salvador e Goiânia, mas houve receio dos arcebispos. Nesse contexto, Celso Ibson de Sylos pediu seu desligamento do Clero e se tornou vereador de Ribeirão Preto em 1967 pelo MDB.

Quanto a D. Agnelo, ele se tornou arcebispo de São Paulo em 1965. Em 1969 ele se tornou cardeal em Roma. O padre Angélico Sândalo Bernardino continuou em Ribeirão Preto e fez militância política por meio do Diário de Notícias após a saída de D. Agnelo de Ribeirão Preto. A organização dos trabalhadores rurais na região também continuou, não obstante a opressão e a observação do governo militar. Celso Ibson de Sylos continuou a ajudá-los no final da década de 60 e durante a década de 70 atuando como assessor.



[1] Marcha da Família com Deus, pela Liberdade. Diário de Notícias. 09 maio 1964. p. 1. 
[2] O Papa nos Falou. Diário de Notícias. coluna Nosso Comentário. 12 maio 1964. p. 2.
[3] Depoimento de Padre Celso Ibson de Sylos no dia 04.08.1990 ao Projeto “História do Movimento Operário e Sindical”, desenvolvido pelo Museu Histórico e Pedagógico de Batatais “Washington Luís”. Fita VHS.
[4] Ibidem.
[5] ROSSI, D. Agnelo. Apud CORREIA, Padre Francisco de Assis de. História da Arquidiocese de Ribeirão Preto. Franca: Editora Santa Rita, 1983. p. 70 – 71. 

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Contra o Clero Progressista, o conservador Dom Agnelo Rossi tentou obstruir o trabalho de conscientização política feita pelo jornal Diário de Notícias, reestruturando esse jornal. E após o Golpe, os militares prenderam padre Celso por seu envolvimento com os trabalhadores, tanto rural quanto urbano. 

No entanto, o engajamento político católico esquerdizante junto às camadas populares continuou em Ribeirão Preto nos primeiros anos do regime militar, não obstante a opressão e a observação dos militares. Angélico Sândalo Bernardino, à frente do Diário de Notícias, chamava a atenção para os problemas sociais e econômicos; e Celso Ibson de Sylos, desligado do Clero Católico, tornou-se vereador em Ribeirão Preto e assessor junto aos trabalhadores rurais organizados.

Padre Celso, assim como a JUC, situou-se no oposto da esquerda católica transigente com a alta hierarquia da Igreja, de maioria conservadora. Dessa forma, padre Celso atuou de forma radical, próximo à “atuação-limite” do padre colombiano Camillo Torres, que pediu redução ao estado leigo, se juntou aos guerrilheiros, se tornou procurado pela policia e foi morto em 1966.[1]



[1] MENDES, Candido. Memento dos Vivos. A Esquerda Católica no Brasil. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1966. p. 22.


[1] BERNARDINO, Padre Angélico Sândalo. Opiniões. Diário de Notícias. coluna Nosso Comentário, 30 agos. 1961. p. 2.
[2] BERNARDINO, Padre Angélico Sândalo. O Povo quer Legalidade. Diário de Notícias. coluna Nosso Comentário, 02 set. 1961. p. 2.
[3] BERNARDINO, Padre Angélico Sândalo. Pausa para Pensar. Diário de Notícias. coluna Nosso Comentário, 05 set. 1961. p. 2.
[4] SYLOS, Padre Celso Ibson de. A Solução é a Socialização. Diário de Noticias. Coluna Nosso Comentário. 05 out. 1962. p. 2.



[1] Atualmente, Angélico Sândalo Bernardino é Bispo de Blumenau.

2 comentários:

  1. O ex-padre Celso incitava os trabalhadores rurais da região de Ribeirão Preto e cidades da vizinhança a se voltarem contra os fazendeiros, ocuparem as fazendas, para isso contava com o apoio de vários jovens estudantes de sociologia que com sua oratória os convencia.
    Quando voltou a Ribeirão Preto largou o sacerdócio para se casar com a irmã de um politico local e entrar para a politica.
    PADRE CELSO ERA UM COMUNISTAS PRÓ RUSSIA QUE PREGAVA A LUTA ARMADA. PADRE ANGÉLICO SÂNDALO ERA UM JOGUETE EM SUAS MÃOS.
    Don Agnelo Rossi cometia o pecado de aceitar os desvio do então Padre Celso induzido pelo seu secretário Padre Angélico Sândalo.
    Joaquim Marçal Ferreira da Rosa na época participava da JAC juventude anti comunista

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  2. Olá, boa noite.

    Me chamo Gines. Tô fazendo uma pesquisa que envolve D. David Picão nos anos de ditadura enquanto bispo de Santos. Muito me interessa o seu trabalho e gostaria se pudesse me enviar por email (gines_pj@hotmail.com. Abraço.

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